A epilepsia nos dicionários

Dicionário Webster

Dicionário Portuguez e Latino Bluteau

Lello Universal

A doença como símbolo: pequena enciclopédia de psicossomática

Dicionário Webster

Webter’s third new international dictionary of the English language, unabridged with seven language dictionary. v.1. E.U.A.: G. & C. Merriam Co., 1976.

 

A primeira edição do Dicionário é de 1828, com o título American Dictionary of the English Language, de Noah Webster, e, desde então, ele teve outras 15 revisões, além da exposta aqui. Portanto, ao todo, são 17 edições. A partir da segunda edição, em 1847, o dicionário já pertencia à editora americana Merriam. Essa edição é completamente nova, totalmente refeita, como diz a própria introdução. Ela vem, segundo os editores, “para o mundo anglofônico como uma primorosa ajuda linguística para interpretar a cultura e a civilização de hoje em dia, como a primeira edição serviu para a América de 1828”¹ (pp. 4a)

A introdução diz que, com o aumento do número de matrículas nas faculdades, com o surgimento de novos hobbies, novos trabalhos, novos interesses, as pessoas têm cada vez menos tempo para aprender as coisas na prática, precisam ler sobre as coisas e absorver “o que foi registrado”.² (pp. 4a)

De acordo com o princípio de que uma definição, para ser adequada, deve ser escrita apenas após uma análise do uso [...]”.³ (pp.4a) Com essa frase, os editores do dicionário pretendem nos advertir de que definições sempre são dadas primeiramente pelo seu uso público e cotidiano da sociedade, formal ou informal. Em decorrência disso, as definições de um dicionário estão sempre intimamente ligadas ao seu tempo. São determinadas pelas concepções e maneiras dos homens que as usam efetivamente. O prefácio ao dicionário afirma, inclusive, que os seus editores tencionaram mantê-lo atualizado com relação aos progressos do conhecimento científico.

A definição de epilepsia engloba basicamente elementos físicos, e não mais morais, como costumava  ocorrer nas dicionarizações desta síndrome no século XIX e por boa parte do XX. No entanto, o dicionário mantém uma definição de “epilético”, ainda que a definição seja cuidadosa e evite fórmulas preconceituosas que identifiquem o doente com a doença.  Os especialistas recomendam, hoje, evitar o termo, substituindo-o por “pessoa com epilepsia”.  Surpreendentemente, o Webster conserva a dicionarização de “grande mal” e de “pequeno mal”, referida a pessoas nas quais a síndrome se manifesta com ou sem crises convulsivas, expressões que também passaram a ser evitadas por especialistas. 

Originais:

¹ “to the English-speaking world as a prime linguistic aid to interpreting the culture and civilization of today, as the first edition served the America of 1828”

² “what has been recorded”.

³ “In conformity with principle that a definition, to be adequate, must be written only after an analysis of usage […]

Epilepsy: [MF epilepsie, fr. LL epilepsia, fr. Gk epilepsia, fr. Epileptos (verbal of epilambanein to seize, attack, fr. epi- + lambanein to take, seize) + -ia -y - more at LATCH]: a chronic nervous disorder of man and other animals that involves hanges in the state of consciousness and of motion and that is due either to an inborn defect wich produces convulsions of greater or lesser severity with clouding of consciousness or to an organic lesion of the brain produced by tumor, injury, toxic agents, or glandular disturbances - see GRAND MAL, PETIT MAL, JACKSONIAN EPILEPSY.

Epileptic: one affected with epilepsy.

 

Dicionário Portuguez e Latino Bluteau

O Vocabulário Português e Latino de autoria de D. Raphael Bluteau foi publicado em 10 volumes, entre os anos de 1712 e 1727. Na folha de rosto do primeiro volume (ver imagem abaixo) consta que a obra é dedicada ao rei de Portugal, D. João V, e foi publicada “no Colégio das Artes da Companhia de Jesus” de Coimbra.

O autor, na época da publicação do Dicionário qualificador do Tribunal da Inquisição de Lisboa, não era português de nascimento, mas um francês nascido em Londres no ano de 1638 que se tornara clérigo da ordem da Divina Providência e, no exercício do sacerdócio, fora para Lisboa em 1638 depois de doutorar-se em teologia em Roma.

A importância dessa obra monumental está não apenas no fato de ser o primeiro dicionário enciclopédico da língua portuguesa, mas também nas fontes portuguesas e latinas que cita, e na sua qualidade gráfica.

No verbete sobre epilepsia, o autor distingue a verdadeira epilepsia da catalepsia, situa sua causa próxima em um humor ou vapor, por sua qualidade específica inimigo do cérebro (...)cuja matéria as vezes residia no estômago. O autor afirma ainda, e cita como fonte a página 194 da Luz da Medicina, que a raiz da norça branca, machucadae trazida ao pescoço, cura a epilepsia.

Em 2000, no âmbito das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, O Departamento Cultural da UERJ distribuiu um CD com os 10 volumes do dicionário, de onde foi retirado esse verbete.

Capa

Detalhe dos verbetes "Epilepsia" e "Epiléptico"

Páginas inteiras onde estão os verbetes

Lello Universal

GRAVE, João e COELHO NETTO: LELLO UNIVERSAL EM 2 VOLUMES. Novo Dicionário Encyclopédico Luso Brasileiro. Pôrto: Lello & Irmão Editores, s.d.

O LELLO, como era por todos conhecido, foi por muito tempo, e desde que foi editado nas primeiras décadas do século XX, o mais utilizado dos dicionários da língua portuguesa. Seus dois volumes eram referência obrigatória nas bibliotecas de Portugal e do Brasil e seu prestígio repousava no renome de seus dois organizadores, João Grave e Coelho Netto, o primeiro da Academia de Ciências de Lisboa e o segundo da Academia Brasileira de Letras.

A chancela dos editores Lello & Irmão remetia a um dos principais livreiros da língua portuguesa e garantia a qualidade e o sucesso editorial da empreitada.

 

 

 

 

A livraria Lello em foto de 1909 (imagem obtida em http://lelloprologolivreiro.com.sapo.pt)

Na folha de rosto do Dicionário, o ex-libris dos editores lembrava aos leitores os famosos livreiros instalados na rua das Carmelitas nº 144, no Porto, Portugal, onde o mesmo ex-libris, transformado em vitral, filtra a luz que ilumina, ainda hoje, as estantes que ocupam todas as paredes de sua bela arquitetura interior, misto de livraria e gabinete de leitura.

 

 

A clarabóia da Livraria Lello, com o ex-libris da editora (imagem obtida em http://lelloprologolivreiro.com.sapo.pt)

Interior da Livraria Lello

 

 


O primeiro andar e a clarabóia

(imagens obtidas em http://lelloprologolivreiro.com.sapo.pt)


Fartamente ilustrado, o Dicionário era uma das principais iniciativas da Editora Lello no início do século XX, e trazia , ao iniciar cada letra do alfabeto, um cuidadoso trabalho caligráfico.

O verbete epilepsia é indicativo das terapias utilizadas para o tratamento da doença na época da publicação do Dicionário.

 

 

 

 

 

 

Ao afirmar que a epilepsia “enfraquece quase sempre a atividade intelectual”, e, no verbete epilético, ao propor que em sentido figurado a palavra significa furioso e desordenado o LELLO sugere aos leitores de hoje como o preconceito em relação aos portadores da doença estava presente, também, nos dicionários.

A doença como símbolo: pequena enciclopédia de psicossomática

DAHLKE, Rüdiger. A doença como símbolo: pequena enciclopédia de psicossomática. Sintomas, significados, tratamentos e remissão. São Paulo: Editora Cultrix, 1996.
Aderivaldo Ramos de Santana
Novembro de 2006

Capa do Livro   O Autor

Rüdiger Dahlke tornou-se um autor de sucesso entre os entusiastas de uma abordagem holística da saúde e da doença, e é autor de livros como A doença como linguagem e A doença como Caminho, por vezes identificados como livros de auto-ajuda ou encontrados na seção de publicações de natureza esotérica dos sites de vendas de livros, ainda que o autor seja médico e psicoterapeuta. Esse livro é uma espécie de dicionário médico em que estão relacionadas e descritas mais de 400 doenças e destina-se a leitores leigos.
O autor entende a doença como um fenômeno de múltiplos sentidos e como um caminho para o que ele chama a alma levar à consciência conflitos não solucionados. Por isso opta por aludir a uma suposta “remissão” e não à cura das doenças, atribui significados ocultos aos sintomas, e considera que a doença traz uma mensagem a ser decifrada.
O livro pretende definir as doenças através de quadros nosográficos traçados a partir da interpretação de pacientes sobre sua experiência com a doença em pauta. O interesse da transcrição parcial do que aqui é considerado o verbete sobre epilepsia no livro do médico alemão é que, nele, Dahlke retoma representações recorrentes nos registros mais antigos sobre a doença e que associam a epilepsia e o universo sobrenatural, e percebem a crise como uma experiência de ruptura entre o mundo dos homens e “um poder superior” ou de “luta desigual entre dois mundos” o que parece ser indicativo da continuidade nas representações sobre a doença.

Epilepsia:
Plano corporal: cérebro (comunicação, logística), nervos (serviço noticioso).
Plano sintomático: descarga de fortes tensões internas (elétricas); todas as seguranças rompem-se ao mesmo tempo num grande acesso (grande mal) – comparável a um terremoto ou ao tratamento por choques elétricos na medicina (...); a energia que afluiu hiperfortalecida é expelida no corpo em ondas espasmódicas, daí o cansaço profundo (...); morder a língua: encarniçamento; espuma pela boca; espumar de raiva e devido à sobrecarga; luta (desigual) entre dois mundos; quebra de represa, que põe em movimento as sombras / partes essenciais que se encontravam retidas; ao modo de um acesso, ruptura de poderosas forças sobrenaturais / do outro mundo (...) a epilepsia já foi também denominada Morbus Sacer (doença sagrada), pois os pacientes parecem estar sob a influência de um poder superior; o que se tinha por possessão; ruptura do acontecer estático no mundo cotidiano, anunciada por uma aura (era assim que Dostoievski descrevia suas crises epiléticas) [...]
Tratamento: deixar sair e esgotar as tensões; deixar-se cair; abandonar-se totalmente; terapia respiratória intensiva até as correspondentes descargas; descargas orgásticas; [...] conceder para si os elos entre os mundos; acolher voluntariamente o contato com outros lados / mundos.
Remissão: manter firme a consciência na passagem para o domínio transcendente; ser intimo do outro lado.”

 

©Portinari

Uma História Social da Epilepsia
no Pensamento Médico Brasileiro

História - PUC-Rio