CIÊNCIA E PRECONCEITO.
 UMA HISTÓRIA SOCIAL DA EPILEPSIA 
NO PENSAMENTO MÉDICO BRASILEIRO.
1859 - 1906

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A epilepsia é uma doença cercada por preconceitos.

No Brasil do século XIX, como em outros paises e tempos, a epilepsia era, quase sempre, envolta por um véu de silęncio. As famílias ocultavam a doença quando esta acometia um de seus membros.  A sociedade comentava à boca pequena a crise sofrida, em público, por um grande escritor.  E, quando o Valongo era o local de compra e venda de escravos na cidade, era comum ver o comprador passar sob o nariz das peças que pretendia adquirir alguma substância de odor muito ativo, retomando assim uma prática dos antigos romanos, que, quando compravam escravos, faziam-nos cheirar azeviche para ver se eram epilépticos, pois acreditavam que o cheiro forte provocaria crises nos que o fossem.  Todos evitavam utilizar o termo adequado para denominar a doença, preferindo pleonasmos do tipo “o grande mal”, o “mal de Gotta”, ou “mal Hercúleo”.

            O grupo de pesquisa que desenvolve o Projeto de Pesquisa Cięncia e Preconceito: uma história social da epilepsia no pensamento médico brasileiro. 1859 – 1906 considera que é importante somar os esforços do grupo de pesquisa que o desenvolve aos esforços de outros grupos e pesquisadores que estudam a história da saúde e da doença por tręs razőes principais.

            Em primeiro lugar, parece relevante para o conhecimento do pensamento médico do século XIX brasileiro o estudo de como a epilepsia era entăo analisada e tratada, uma vez que, desconhecendo alguns de seus aspectos básicos, os médicos travavam um combate quase a cegas com a doença.  É importante perceber como as canhestras tentativas de aproximaçăo científica ao tema incorporam crenças milenares sobre a enfermidade e seu tratamento, assim como é significativo identificar o aparato textual, lógico e retórico mobilizado para conferir cientificidade ao discurso sobre a epilepsia, uma vez que  essa análise fornece elementos para a compreensăo do particular sub-grupo do universo dos letrados constituído pelos médicos.

            Em segundo lugar, é fundamental, para melhor entender as coordenadas que regiam a compreensăo do século XIX brasileiro sobre a corporeidade, a saúde, a doença, a higiene, a moral, as práticas alimentares, e as complexas relaçőes entre o corpo, a mente e os sentimentos, analisar o pensamento médico sobre a epilepsia, enfermidade cujas manifestaçőes pareciam suspender  toda a lógica que regia o equilíbrio humano.  Também chamada de mal caduco porque os indivíduos acometidos de crises epilépticas caem por terra e perdem o controle de si, a epilepsia, entăo associada às práticas sexuais, à comida, à bebida, às emoçőes fortes, aos esforços excessivos, ao temperamento, ao crime, fazia por sua vez caírem as máscaras da cięncia e revelava como  crenças, tabus, preconceitos e estigmas nada científicos  cruzavam os umbrais das vetustas Faculdades de Medicina e se travestiam de cięncia.

            Em terceiro lugar, parece significativo para o conjunto dos estudos sobre a história social da cultura em geral e sobre a história social da saúde e da doença em particular a análise do pensamento médico brasileiro do século XIX sobre a epilepsia, que, ao contrário do que ocorreu em relaçăo a outras doenças tais como a varíola, a febre amarela, a tuberculose e a loucura, ainda năo foi estudada, no Brasil, por historiadores.

            A equipe que desenvolve a pesquisa convida aqui a todos os interessados para conhecer o trabalho que desenvolve.

Professora Margarida de Souza Neves
Coordenadora do Grupo de Pesquisa
Departamento de História da PUC-Rio

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Uma História Social da Epilepsia
no Pensamento Médico Brasileiro

História - PUC-Rio